Tem coisa que não funciona mais em circo. Um elefante no meio de uma tenda até pode alegrar momentaneamente a criançada e adultos, mas um animal acorrentado faz a alma sofrer por muito tempo.
Tem coisa que não deveria mais funcionar em shopping. No comércio, onde a alma é fazer negócio, montar uma sala do terror com bonecos alienígenas, muita fumaça, pouca luz e alguns sustos prontos podem até assustar, mas apenas vendem a frustração permanente de um terror mal feito. Como mesmo assim gerava dinheiro, o shopping tinha reservado uma ala bem grande para esta instalação temporária.
Mel conhecia bem o movimento do local devido à posição estratégica do quiosque de mágicas. Fez alguns acenos ao funcionário que controlava tanto a bilheteria quanto a entrada e saída daquele beco escuro.
Graças a sua simpatia, tinha a oportunidade de experimentar os sustos baratos do local quando quisesse. E era por isso mesmo que ela arrastou Geison para dentro.
Queria aproveitar bem os minutos que sobravam do banquete chinês diário que haviam estabelecido frente a seguinte rotina: ela, sempre com seu ritual seletivo no bufê e ele, com a marmita feita por sua mãe.
Mel já tinha confessado ter babado por vários dias até ganhar coragem para garfar um pouco da farofa de feijão que acompanhava a marmita às quintas. Hoje, porém, metade da marmita tinha ficado de lado por uma razão nobre: tempo extra para explorar a escuridão da sala de terror.
Entraram sem pagar pois o movimento era ausente naquele horário e em muitos outros. Na verdade, o funcionário revelou que movimento mesmo só no final de semana ou em pré-estreia de filme. Quando lota o cinema, a molecada se espalha por qualquer atração classificada como no boring. Pura física, analisava.
A intimidade entre os dois já permitia uma dianteira mais efusiva por parte da extrovertida Mel, que puxava o cabisbaixo Geison pelos braços a todo canto. Para Geison, trabalhar no shopping nunca tinha sido tão excitante.
– Bu! – Geison tentou retribuir toda aquela euforia.
No fundo, sentia um certo temor pelo desconhecido, mas preferia acreditar que sua bruxa favorita – e única – não o deixaria na mão.
– Geison, corre aqui!
Mal conseguiu seguir a voz de Mel e ultrapassou uma cortina preta. Na contraluz, desesperou-se com o que via. Mel havia perdido a mão misteriosamente. Imóvel, só restou a Geison rir de nervoso ao descobrir a ilusão de ótica. Sentou-se um pouco mais tranquilo, rindo de sua ingenuidade.
– Adoro suas mágicas, Mel. Mas gosto mais daquelas que você faz sumir apenas os objetos.
– Um mágico tem que dar parte de si, não acha? – disse Mel, sentando-se enquanto olhava fixamente a face assustada de Geison.
Aquela sala deu coragem ao garoto para deixar suas angústias de lado. Não havia nada que o diminuísse mais. Não seria o seu trabalho, nem o andar manco e muito menos as feridas nas mãos. Em meio a tantos monstros, sentia-se estranhamente humano.
Deu seu primeiro beijo em Mel, devidamente correspondido pelo silêncio e respiração ofegante, misturados rapidamente aos ruídos emitidos por uma caixa acústica da sala de terror.