Encostado no canto do banheiro, Geison cochilava mais do que de costume. Já não dormia à noite e, quando fechava os olhos, via Mel sem a mão na sala de terror. Ouvia o rugido da caixa acústica e suava frio.
Desde o dia seguinte ao beijo, não havia mais sinal da garota. Seu Stênio, indevidamente interessado em Geison, disse que iria comunicá-lo quando tivesse qualquer novidade.
Geison chegou a ligar e mandar mensagens várias vezes ao seu número da sorte. Mas o azar sempre o retornava. A linha estava fora de área. Sentia medo de que estivesse louco e que Mel fosse apenas uma assombração dos seus desejos reprimidos.
O que o trazia à realidade era carregar a moeda uruguaia, devidamente emprestada por Mel para que ele aprendesse a realizar o truque do sumiço. Mas a bruxaria que ele queria era outra: voltar no tempo e não deixar Mel sumir assim, tão repentinamente.
Uma semana depois e o quiosque de seu Stênio já tinha um novo assovio de roupa escura e cabelos longos. Era o suficiente para que os batimentos cardíacos de Geison saíssem da normalidade. Quando se aproximava, viu que não se tratava de Mel, mas apenas de um reforço para as vendas que haviam caído sem aqueles cabelos ruivos atuando no marketing.
Em sua rotina de trabalho, Geison respirava fundo e, no fim do expediente, conseguia chorar sozinho. Apertava o registro das torneiras até encharcar a pia por puro capricho. Ao som da pressão da água sobre o ralo, ele desengasgava gritos de raiva.
◆◆◆
Como se dez dias depois valessem por uma década, Geison continuava sua triste rotina de trabalho e procura. No fim do expediente, já rumo a sua casa, Geison estava sentado junto à janela do ônibus, o que era incomum ao seu orgulho.
Resistente à dor que normalmente sentia nas pernas, Geison costumava viajar em pé. Mas nesse dia, um senhor ordenou que ele se sentasse após ver os seus olhos marejados. Sem forças para discordar, aceitou a cadeira oferecida e encostou a cabeça na janela.
Com o olhar cruzado com o horizonte, visualizava sua mão sobre a marmita no colo, que ia e voltava cheia. Na mão, havia simulado rabiscos da tatuagem de canetinha igual da sua atual assombração.
– A sua sobrinha já ganhou alta do acidente? Pelo que soube, ainda tem gente no hospital.
Essa conversa desconexa ressou pelo vidro do ônibus. Mesmo sem interesse no papo das senhoras sentadas à sua frente, algo o fez se conectar mais ao tema iniciado.
– Saiu sim. Tem só mais duas meninas lá. Uma…coitada, perdeu a mão nas ferragens. A outra, tá bem, mas meio doidinha, tomando remédio pra cabeça.
– Desculpa, que acidente? – intrometeu-se.
– Do ônibus que capotou aqui perto na semana passada. Machucou um monte de gente.
– Onde elas tão?
– No hospital do centro. Que curiosidade é essa, menino…?!
A senhora mal terminou a frase e ele já estava em pé com a luz de próxima parada acesa. Geison teve uma esperança tão grande de que essa história tivesse a ver com a Mel que mal se atentou ao fato de como ela poderia estar.
Nas hipóteses levantadas, sem uma mão ou extremamente dopada. Sendo ela, daria um jeito de lidar com isso. O que ele não aguentava mais era esse sumiço tão injusto.
No fundo, queria eliminar, de vez, a hipótese de que Mel tivesse sido apenas uma breve e bonita ilusão em sua vida. E queria também a chance de um outro beijo.