Da vista do mirante, duas japonesas estavam deslumbradas com a vista da avenida que gritava vida dia e noite.
Aos poucos, o Sol começou a se por. Muitos se aglomeraram no parapeito para vê-lo brilhar.
Um brilho intenso, mais forte do que o normal. Era como se mil sóis explodissem por dentro.
As fotos pipocavam na geolocalização daquele ponto turístico. O contra-luz da garota com a blusa do Iron Maiden competia com os vídeos em loop do casal rastafári.
Lá embaixo, as bicicletas esperavam educadamente a vez de avançar o cruzamento; o trânsito teimava em encher e se dissipar em sincronia nas três largas vias de cada lado.
Do alto, era possível ver uma mulher negra sobre um terraço particular tomando banho de sol e de música completamente nua. Do seu lado, apenas a garrafa de espumante e o resto de alguma noitada alugada que se estendeu até a tarde. O seu bronzeado se confundia com a força da luz que partia no horizonte.
Uma jovem de cabelo encaracolado pousava para a câmera com a cabeça curvada. Ao lado, havia um homem forte e negro desatento ao celular. Na frente, a filha dos dois, dominando enquadramentos aos seus menos que 10 anos.
Na paisagem ao fundo, havia a poesia do avião que passava em frente àquela bola de fogo, sumindo logo em seguida. Para onde foi? Pensou o rapaz com a blusa de reggae.
A nuvem espessa, mas longínqua, deve ter engolido aquela máquina pesada que, por lógica, não deveria estar no ar.
Faltava muito pouco para que o Sol se encostasse nos altos edifícios do segundo plano, escondendo-se em seguida na curva da Terra.
Minutos se passaram e um ruído profundo tirou a atenção da estrela. Aquele zumbido vinha forte e estridente. O bebê de colo chorou até mais do que permitiam seus pequenos pulmões.
O zumbido virou o som de um tiro seco e, acompanhado de um sopro intenso do vento, ouviu-se uma explosão. Aquela rajada de ar premeditou a tragédia. Os encostados ao parapeito foram erguidos como tapetes persas e jogados do alto.
Caiam como se flutuassem, mirando a ciclovia já previamente pintada de vermelha. O desespero começou com gritos humanos e uma tentativa inútil de buscar ajuda. Já se ouviam sirenes de ambulância como se aquele incidente fosse comum a outros rooftops.
Mas qualquer um que observasse mais atentamente ainda via a garota nua pegando um resto de Sol, já frio, com seus fones de ouvido, desatenta a esse mundo de terror.
As japonesas gritavam dialetos não traduzidos. Os telefones não funcionavam mais. As antenas viraram traços nos aparelhos que resistiram à descarga elétrica.
Quem olhava para baixo pouco se interessava por aqueles corpos caídos. Estavam mais atentos à inconsistência dos sinais de trânsito, ao atropelo de um ônibus a ciclistas e a aglomeração de formigas humanas fora dos arranha-céus.
O céu ainda estava azulado, em um tom que parecia ser o amanhecer. Entre as nuvens, apenas resquícios do amarelo do Sol que se foi.
O barômetro, no alto de um heliponto, não balançava mais. Apontava o chão em vez de tentar indicar o vento.
Os elevadores não mais funcionavam. E os 18 andares do mirante ao térreo pareciam ser um impeditivo para quem quisesse descer as escadas. A luz acabou dentro do prédio e logo se estendeu até o último edifício visível.
A noite chegou e muitos se acomodaram onde dava. Deitaram-se sobre as mesas de café, assaltaram as geladeiras e nada sobrou daquele manjericão coletivo, agora mastigado pela ansiedade daqueles que ainda buscavam respostas.
Por mímica, as japonesas pareciam ser as únicas a conseguir explicar, minimamente, o fenômeno que ocorreu. O Sol havia explodido. E não voltaria no dia seguinte.
Enquanto isso, aquela beldade nua não se importava. Estava acostumada a passar toda sua vida sem que o Sol a iluminasse. E, ainda assim, logo hoje que finalmente escolheu se rebelar contra tudo em busca da sua própria luz, já havia pressentido que esse mesmo Sol lhe viraria as costas de vez.