O Homem de Terno

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Seguindo caminhos estranhos, como sempre. Por que dar voltas imensuráveis quando se pode chegar mais rápido? Era isso que João fazia às dezenove horas daquela terça-feira. A semana mal começara e mil pepinos despencaram em sua mesa de trabalho. “Quer saber, vou indo!” Juntou seus arquivos na pasta de couro, ajeitou a gravata do terno de um azul marinho tão forte que se somaria à escuridão da noite.

A noite é escura, não preta. É azul que nem João.

E lá foi João por debaixo de sacadas antigas. Andava sobre ladrilhos coloniais rachados. Eram belos pelo seu estado de estrago. Isso marcava que aquele bairro era centenário. O tempo dava toda sua beleza! Infelizmente, não pôde aproveitar a escuridão e a antiguidade do local. Deparou-se com um homem estranho. Assustou-se. Pasta no chão. Recuperou-se do susto juntamente com a voz que saiu rouca:

–– Trouxe?

–– Quanto levo nisso?

–– Primeiro, está com tudo aí?

–– Sim, kit completo. Quer que eu te mostre?

–– Não… não, por favor. Confio no seu serviço. Tome o combinado. Nunca nos vimos antes, ok? Até mais.

Com a oportunidade de se esquivar daquele momento, João correu o mais rápido que pôde. Seu vacilo foi ter tropeçado nos ladrilhos e caído sobre o pacote. “Ai, estou perdido. É o meu fim. Nem quero olhar”.

Esperou a certeza da falta de esperança que se instalara. Iria morrer. Depois de conferir todo o material, estava inteiro. Chegou em casa. Foi ao banho. Quando voltou, percebeu o pacote aberto e sua esposa com o produto na mão.

–– João, venha cá! Olha só essa faca. Não corta nada. Gastou dinheiro à toa, seu imprestável. Aposto que se eu te tacasse, o máximo que sentiria eram cócegas. Burro. Eu avisei, haja incompetência! Nada de meu amor por hoje, já para o sofá!

Era o seu fim. Perdeu o contentamento da esposa pelo presente.

Perdeu a noite maravilhosa que planejara. Iria encantá-la. Iria!

–– Sem amor, mas com o meu terno azul intacto. Ainda bem.

Ô faca de segunda!

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