Era uma noite escura e tempestuosa em Budapeste.
(Escrito em 2018 após uma visita a estátua Anonymus Szobor)
No terminar do passeio, às vésperas da volta ao trabalho, eis que me vejo conjecturando pessoas, albertos, fernandos, caeiros, coras e clarices.
Um eco sobre a minha cabeça ressoa o nome da rosa. Em meio ao húngaro, relembro que a luta diária de valer-me de um espanhol standard, disputando-o com um castelhano carregado de catalão.
Quando ouso e resolvo enfrentar a traumática língua mãe anglo-saxônica em outros ares, deparo-me com um tal Guilherme de Baskerville que discursa citações em latim.
E pensar que a torre de Babel teve função bíblica. Só jogando no Google, um grande Finis Africae com suas muitas armadilhas.
Quando penso que meu maior desafio acadêmico é aprender a me comunicar com algoritmos e distintos cientistas, encontro instruções práticas sobre como formular minhas hipóteses na literatura, na história e na filosofia. Fantasmas ou não, diferentes linguagens atuam como verdadeiros notários de seu próprio tempo.
Eu, perdido, penso como tudo é tão dissonante. Em um mundo louco, de distintas horas e distâncias, reconecto-me à década passada, esta que reverbera até hoje. Que bom revê-lo, meu amigo Pedro, de outros tempos universitários.
Quem diria que, virtualmente, falaríamos mais do cotidiano do que os temas de outrora: Paulo Freire, Hakim Bey e afins.
Enfim, estendemos essa missão a novos Jairos, Vivis, Flávias e Molinas, que ainda tentam reconstruir uma abadia caída.
E com delay, ficamos a par de direitos velados a velascos e anônimos. Assistimos a tanta violência estatal contra nossa inteligência e humanidade. Momentos difíceis, que se repetem em greves e ocupações.
Mas há sempre um caminho para lutar. Streaming, tecnologia que sequer aparece em nosso vocábulo ortográfico, mas que já transportou e transporta tantas vozes a 5 mil por hora. Hoje, mais ruídos do que informação. Desculpem-nos, Shannon. Somos uns idiotas digitais.
Quem dera que o fetiche da democratização pela ferramenta fosse verdade. Atribuímos sempre culpa à tecnologia neutra, ou maligna, como se esta fosse um agente totalmente desconhecido e não projetada por nossas mentes. Falamos tanto em inteligência artificial, mas nós estamos nos transformando em verdadeiros robôs.
Vivemos hoje um mundo baumaniano de clichês líquidos, traduzidos em diferentes linguagens, atribuindo ao anonimato da pós-modernidade toda nossa imbecilidade. Doutos, doutores e simples, não escapa um.
Não escapo eu a esse próprio texto que, mesmo não sendo de papel, é tão frágil quanto um pergaminho de pano jogado ao fogo.
E o vento soprou a brasa da ignorância para longe e, em vez de se apagar, propagou-se como um like sem ler ou um chavão a se dizer.
Este pensador anônimo continua anônimo até que voltemos ao básico: a vontade de pensar sobre o que tornou os nossos tempos.