Sinais

por

Por onde começar? Pelo meu mau-humor. Sim, eu me lembro, tudo começou quando comecei a ficar de mau humor. O mundo estava um porre, eu precisava inovar, fazer algo emocionante. Completar o súbito vazio que tomou conta de meu espírito. E fiz. Disse para mim mesmo que assistiria sozinho àquele filme revolucionário. Uma jovem comunista que luta por seus ideais. E que também sente. A dureza do momento conturbado não a impediu de amar um outro revolucionário. A história de fato aconteceu, e o filme… em seguida.

Contudo, quero contar é a minha história. Assim, consultei o horário de exibição do filme mais próximo. Faltavam dez minutos. Não pensei duas vezes, apressei-me ao elevador.

Desde de ontem havia me decidido. Vou ver esse filme sozinho. Nunca fui ao cinema sozinho. Era hora de mudar. Era hora de prestar mais atenção em mim. Só ficando sozinho para isso. Dez minutos. O elevador que não chegava. Cogitei a possibilidade de descer sete andares de escada. Desisti, não precisava. Daria tempo. Eu sabia disso. A distância de meu trabalho até o cinema mais próprio é percorrido, normalmente, em míseros 15 minutos de ônibus. Eu pensei nisso. Os Trailers salvariam a minha sessão.

Peguei o elevador de serviço. Desce, vai. Desce. Não descia. Rápido! A cada andar, uma parada. Sexto, quinto, quase o quarto. O Terceiro e segundo estavam em reforma, graças a Deus! Corre. O crachá que não tenho me impede de passar pelas roletas com a facilidade que os outros passam. Um guarda me libera com o seu. Inveja! Mas, estava sem tempo para inveja. Corre, corre, corre.

Não adianta, o sinal da avenida fechou.

Tem um outro filme que eu adoro, chama-se “Corina, uma babá perfeita”, no qual a protagonista ensina a uma menina os segredos de como se abrem os sinais. Basta soprar. Quando você sopra, eles ficam verdes. Eu vivo tentando. Se espero um pouco, a magia acontece. Realmente, o sinal se abre. Contudo, o método não serve muito bem para quem não é motorista. Como eu era de um mero transeunte, chupei o ar. Teria que acontecer o inverso. O sinal se fecharia. A faixa de pedestre estaria liberada, pronta para ser usada. Foi inútil. O sinal se manteve no seu próprio ritmo. Não quis ceder ao meu problema.

Faltavam, em meu relógio, cinco minutos. O quê? Cinco minutos? O sinal abriu, longos passos até a próxima travessia antes da parada de ônibus. Mas… outro sinal se fecha para mim. Eu espero. Cogito a possibilidade de o mundo não estar cooperando comigo, se não fosse pela conclusão instantânea que tive. Eu teria que esperar o sinal fechado do mesmo jeito. O ônibus somente pode passá-lo quando ele se abre. E é o percurso para o meu destino.

Um sinal inevitável. Sem que ele se feche, eu não atravesso a movimentada pista. Se ele não se abre, eu fico, juntamente com o meu ônibus.

O próximo sinal da avenida está fechado. Perco tempo. Não quero nem olhar para o relógio. Porém, de relance, percebo que ainda não se esgotaram os dez minutos. O outro sinal, lá longe, aparenta estar fechado. Quase me indigno com essa revolta dos sinais. Cometeria uma injustiça. Ele se abre. O fluxo de carros não para. Ufa! Estou quase lá. Desço na parada certa. Isso depois de ter enfrentado mais um sinal. Um sinal perto da parada. O sinal de que tudo estava errado. E, que mesmo assim, eu conseguiria chegar a tempo.

Pronto. Agora, o único obstáculo até o cinema é a travessia de uma outra pista. Um novo e último sinal. Contudo, eu imploro, imploro, imploro. Ele não quer se fechar. Pedestre não tem direito de passar quando o sinal não se fecha para os carros. Não consigo convencê-lo a fechar por meio da dialética. Logo, atravesso assim mesmo. Venço o sinal. Corro risco de ser atropelado, mas… o cinema estava quase lá.

Cinco minutos se excediam do tempo de começar o filme. O trailer deve ter começado. Há tempo! Eu quero o filme, não trailers. Preciso, antes de tudo, tirar dinheiro. Fila no caixa automático. Magia no caixa automático. Uma senhora, aparentando 70 anos, sorri-me com um sorriso casual. Como se ela soubesse de toda a aventura que passei nesses 15 minutos. E, como quem não quer nada, conhecia o meu objetivo no cinema. Descansar do mundo. Dar um tempo para mim. Independente dos outros. Compro o ingresso.

Ainda há tempo. Abuso da sorte. Dou um pulo no banheiro. Entro na sala de projeção. O filme ainda não começou.

Procuro um bom lugar. Entro, avisto uma fileira praticamente vazia. Avanço-a, sento-me e olho ao lado. Meu Deus! Ninguém naquela fileira. A melhor fileira da sala, exceto por uma pessoa, aquela pessoa.

Minha ex-namorada. Eterna. Ressurge. Fujo da correria do dia-a-dia e a encontro sozinha. Quais seriam os seus motivos? Fugir da correria do dia-a-dia? Que audácia ela copiar os meus planos. Vejo Olga ao seu lado. Sinal fechado para nós. Conversamos. Conversamos muito. O filme acaba.

Dou um grande sopro, o sinal se abre. Avisto agora uma grande fileira vazia.

Eu sozinho. As legendas do filme começam a subir. Eu me levanto e passo a não respeitar mais os sinais. Ando pensativo. É o sinal de novos tempos. Eu espero. Volto para casa e não precisei mais atravessar por mais nenhuma avenida, nenhum sinal.

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