(uma crônica que não pretende a revolta, apenas a consciência de nossa realidade)
Em Brasília, pela primeira vez em minha existência, cheguei a afirmar comigo mesmo: “É, existe inteligência artificial”. Foi graças a uma grande loja recém-inaugurada por essas bandas que trouxe todas as novidades possíveis em aparatos tecnológicos. Todas não, porque sabemos da infinidade de produtos existentes no mundo, mas uma boa amostra do arsenal que produzimos mundo afora.
Foi isso que me deixou preocupado. Existem muitas funções nos aparelhos eletroeletrônicos que mal sabemos mexer e, cada vez mais, aparecem novos instrumentos, atalhos, artifícios para encarecer o produto final. O argumento é que o objetivo é facilitar a vida do usuário. Meu Deus, pergunto-me se isso é possível. No meu caso, que sempre gostei de “fuçar” em tudo que corra corrente-elétrica, me sinto um inútil em não acompanhar o crescimento das possibilidades tecnológicas. E quando me deparo com algo semimoderno, tento explorar o seu potencial ao máximo e isso toma um bom tempo. Agora, imagine se eu tivesse acesso a alguns dos mais novos equipamentos do montante existente nessa super loja? Simplesmente, eu ficaria louco.
Os manuais, meus inimigos eternos por muitas vezes dizerem mais o que você está careca de saber, em vez de explicar o avançado do produto, possuiriam algumas centenas de páginas, somando-se às ilustrações “indispensáveis” e à explicação “inteligentíssima” do fabricante. E se o futuro promete mais desenvolvimentos dessa natureza, estaremos fadados ao analfabetismo de configuração e utilização. Se hoje temos cursos específicos de programas, amanhã poderemos ter cursos gerais sobre determinados tipos de produtos. Uma geladeira ganhará uma abordagem mais didática para ensinar as donas e donos de casa que o processamento de gelo deve estar atrelado à combinação de uma seqüência de números que, por sua vez, acionarão um computador de bordo que medirá as condições de temperatura e umidade, exibindo em uma tela 29 polegadas interligada a geladeira novos procedimentos a serem seguidos – provavelmente, essa tela deve ser de uma TV encontrada na cozinha, se não, as(os) donas(os) de casa deverão dar um pulo básico na sala. No fim, o usuário deverá escolher a melhor opção de congelamento das 205 disponíveis. Tudo fruto de uma combinação matemática que não falha. Depois de acertado os dados, o cubo, um só cubo, do mais perfeito gelo feito até hoje, cairá numa tigela isolada termicamente por vácuo. Vácuo que você produziu com um outro aparelho que se assemelha a uma bomba de pneu e por aí vai…
E isso não é nenhuma fobia boba, é apenas a mais pura constatação de que criamos demais e que não conseguimos utilizar nem uma pequena porcentagem disso. Então, para que esse luxo? Para que exista a Inteligência Artificial, ora bolas. Só mesmo as máquinas poderão entender pra que servem cada uma de suas funções. E que elas façam bom proveito disso. Porque eu cansei de tentar fazer orçamentos de um utópico super-ultra-mega computador para, ao chegar na loja para preçar a última peça, ficar sabendo que ela saiu de circulação faz meia hora.
— Temos agora o Ájax ZXY, moderníssimo, com suporte a isso, controle daquilo, e mais 200 posições de ajuste locacional!
— Moço, eu só queria comprar um parafuso. Mas tudo bem.